Em meio à geração com mais acesso ao "vídeo game" a gente viu desaparecerem, aos poucos, os atletas que atuavam nos campinhos, os próprios campinhos, que passaram a virar terrenos baldios, onde se jogavam todo tipo de lixo e muitos, também, foram invadidos para a construção de moradias, de forma a diminuírem bastante as competições entre equipes amadoras pelos motivos já mencionados e por causa da violência urbana que foi aumentando, pela criação dos espaços fechados, os quais cobram mensalidades e, talvez, pela desilusão com a possibilidade de se tornar profissional, mas as histórias permanecem e quero relembrar aqui o "Fumaça", pior jogador de futebol que eu já vi atuar nas peladas e torneios valendo premiações!
segunda-feira, 5 de agosto de 2024
Nunca foi “fumaça de gol*”...
sexta-feira, 2 de agosto de 2024
Crônica poema de Edu Planchêz
arrancava a
cabeça do dedão
e sangrando
continuava a infinita louca pelada,
o racha
alucinante…
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Quiséra ser eu
um Nelson Rodrigues
para conseguir
estancar no tempo,
em algum lugar
do tempo,
algo como uma
profecia,
um chamado, um
grito azul,
um grito
avermelhado,
um grito sem
cor
e com todas as
cores de um gol,
de um quase
gol, de um gol que tive
vontade de
fazer e nunca fiz.
Acho ou
compreendo na minha inocencia,
que todo garoto
ou garota...
adoraria ser um
craque de futebol,
jogando na
lama, num campinho rala coco
livre de
qualquer espécie de grama,
sozinho ou com
um monte de “neguinho”
bicando suas
pernas,
grudando em
seus ombros,
para comemorar
o gol
ou para evitar
que as redes imaginárias fossem vazadas,
pois os
campinhos de futebol que conheci
pelas ruas e
terrenos baldios
do intenso
suburbio
tinham traves
que eram feitas de qualquer coisa:
um par de
chinelos, pedras, latas,
paus amarrados
com arames, barbante,
cordinhas de
sisal e até mesmo de cipó, ou...
Na tarde
aloprada do domingo suburbano,
o sol castiga o
campo de terra batida
pisada pelos
bichos das relvas...
As traves de
bambu verde rachado,
amarradas com
sei lá com o que,
e a bola de
capotão, de plástico, de meia já gasta,
mostrava as
cicatrizes de tantas acirradas disputas.
Eu o Mané da
Pelota,
como eu era
chamado,
ajeitava a
chuteira velha rasgada
enquanto
observava os parças do time-catado
bebericando
umas brejas entre papos,
gozações e
piadas...
Cada ruga em
meu rosto contava
uma resenha
vivida, cada cicatriz uma partida.
Ali, na várzea
eu e os outros com camisas e sem camisas
não éramos
apenas mais uns jogadores;
eramos heróis
sem nomes,
guardiões dos
sonhos de muitos que como nós,
acreditavam no
feitiço do futebol,
na malicia do
gingar,
de bater na
gorduchinha com o peito pé…
No Terrão
correu Bruno Henrique e Michael,
Perácio,
Quarentinha,
Zizinho, Ademir
da Guia, Rodrigues Neto, Nelinho, Zico,
Samarone e
Rivelino,
correu e corre
eu e você...
“Olho no lance!
Pelo Amor dos meus Fihinhos!
Pelas barbas do
profeta!"
( Berrava
Silvio Luiz )
Radinho de
pilha ligado (“Mário Viana!” “Gol Legal!”),
a rua de
paralelepípedos era o estádio,
a gente
encarava a pelada descalço,
chutava a bola,
chutava o vento, chutava o chão,
arrancava a
cabeça do dedão
e sangrando
continuava a infinita louca pelada,
o racha
alucinante…
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ANTONIO EDUARDO
PLANCHÊZ DE CARVALHO
segunda-feira, 30 de outubro de 2023
FOOTBALL OU FUTEBOL? TANTO FAZ...
segunda-feira, 26 de junho de 2023
O QUARTO ESTÁDIO
Em um futuro não muito distante está havendo uma reunião extraordinária da Assembleia das Corporações. O assunto é o mesmo que há tempos vem sendo discutido envolvendo a Grande Arena, o quarto estádio. Para você que está chegando agora, vou contar do que se trata:
Os jogos de futebol passaram a acontecer em três estádios. No estádio principal ocorre o jogo; cada um dos outros dois, chamados popularmente de halfies (Half de mando e Half visitante) é ocupado com as torcidas que assistem por hologramas ao jogo e à torcida adversária criando virtualmente o ambiente inerente ao desporto.
E o quarto estádio?
É o local apropriado para o encontro dos torcedores. Foi criado depois que todo e qualquer distúrbio ou barulho passou a ser severamente punido fazendo com que a um simples grito de gol em local público seja aplicada uma coima volumosa. Trata-se do maior dos quatro estádios e é gerido por meios próprios. Tem por baixo das enormes arquibancadas toda uma estrutura para que não se precise lançar mão do erário corporativo para nenhum gasto. Tem pronto socorro; hospital com UTI e enfermaria, fisioterapia, acompanhamento psicológico; seguradora; farmácia e serviços funerários. Ganhou o nome de Grande Arena, bem mais apropriado tendo em vista que o seu piso é revestido com areia para que se torne mais fácil a limpeza ao final de cada encontro.
E o que quer a Assembleia?
Reuniu-se para votar a autorização para as teletransmissões dos encontros da Grande Arena.
segunda-feira, 12 de dezembro de 2022
O DONO DA BOLA
Fui dono de uma bola de couro oficial. Alguém que desconhecia os meus talentos resolveu me dar esse presente de aniversário, quando eu era menino. O dono da bola é um cara de prestígio, joga todas as partidas e até escolhe o time. Fui exceção entre os moleques de rua, todos preferiam não brincar com a minha bola a permitir que eu jogasse com eles. Bullying? Nada disso, o motivo verdadeiro era eu ser muito ruim, não chutava, não driblava, fazia gol contra e cometia faltas nos companheiros de time.
Quando tinha sete anos levei uma bolada no olho direito,
sofri lesão na córnea, que me acompanha até hoje. Minha mãe fez promessa com
Santa Luzia para eu não perder a vista. Nunca paguei a promessa e acho que por
isso tenho a visão complicada.
Terá sido culpa da mártir, a que arrancou os próprios olhos
e foi decapitada por conta de sua fé em Cristo? Não, de jeito nenhum, o
negligente fui eu mesmo. Mamãe prometeu comprar a imagem da santa milagrosa e
preferi roubá-la no santuário de uma tia avó, também sofredora da vista. Depois
do roubo, as más línguas falaram que a pobre velhinha ficou cega. Lá no alto do
céu não consideraram a promessa quitada. Ainda sofro dos olhos e, na família,
todos me julgam um ladrão de antiguidades.
Não sei se por conta da bolada ou do sacrilégio religioso,
tornei-me um fracasso em assunto de futebol. Faltou-me vocação para a maior
cultura do povo brasileiro. Naquele tempo ainda não se falava nerd, mas sempre
fui um sujeitinho aferrado aos livros, à música, ao cinema, ao teatro, e gastava
as horas estudando. Nunca me revelei nas brincadeiras de pião, bola de gude,
pingue-pongue, barra bandeira, não aprendi a empinar pipa, nadava mal e não
sabia montar os pangarés da fazenda dos tios e da avó. Para desgosto do pai
tornei-me uma vergonha em qualquer modalidade de esporte.
O time de futebol da minha cidade se chamava Magarefe, os
jogadores eram açougueiros e batiam bola aos domingos, num campo próximo à rua
onde eu morava. No final da tarde, já escurecendo, eles retornavam das pelejas
calçando chuteiras, sem as camisas dos ternos, suando e fedendo mal como as
carnes podres que vendiam no açougue. Desfilavam pela calçada, feios e
barulhentos, proferindo insultos e palavrões. O mal cheiro impregnou-se em
minha memória e nunca consegui dissociá-lo do futebol.
Se busco compreender os meus entraves futebolísticos à luz
da psicanálise, concluo que os devo aos sentidos da visão e do olfato. Eles
foram agredidos pelos jogadores feios, sujos, barulhentos, grosseiros e
malcheirosos. Trata-se de motivo bem mais relevante do que a cartilha de
esquerda dos anos de ditadura militar, quando éramos instruídos a não torcer
pela seleção brasileira, num evidente patrulhamento.
Vocês não imaginam o que sofri na Copa de 1970, morrendo de
vontade de assistir aos jogos na tevê em preto e branco da vizinha, mas
instruído a não cair na tentação fascista, pois o Mundial se tornara um
instrumento de propaganda dos militares.
O futebol também se misturou com as coisas do céu, as rezas,
as velas acesas e uma imagem em porcelana de Nossa Senhora Aparecida, que
ganhei de uma tia na primeira comunhão. A padroeira do Brasil ocupava o seu
lugar de honra em cima de um rádio Philips comprado pelo pai, quando ainda
morávamos no sertão. Na euforia de um gol, a santa caiu do seu posto e
espatifou-se em mil cacos. Pobrezinha.
Chegado aos 70 anos, resolvi os meus conflitos com o
futebol, a bola e os Mundiais. As pessoas me cobravam ser um torcedor, morrer
por um time, vestir verde e amarelo durante a Copa e assistir aos jogos
enturmado, bebendo cerveja e roendo as unhas dos pés. Não torço por nenhuma
seleção e não sofro ansiedade pelos resultados. Gosto de ouvir os fogos, os
gritos, e me comovo com a euforia das pessoas. Participei com alguns argentinos
de uma mesa sobre futebol, na Alemanha. Não abri a boca, só fiz rir.
Não cobro de ninguém que se comova assistindo ao filme turco
Quatro gerações, um longa-metragem de duas horas e meia, que parece durar
quinze minutos, tão emocionante ele é. Não alicio os amigos para o culto a
Tarkovsky, um cineasta russo. Não tento os inimigos dos livros a lerem as
dezenas de escritores que leio e releio num verdadeiro ato de fé. Alguém
acredita que se possa perder o sono depois de ler o ensaio de Edmund Wilson
sobre o simbolismo? Eu perdi.
Estamos quites torcedores brasileiros. Não cobro nada de
vocês. Mas também não reclamem por eu ter dormido durante o tedioso jogo entre
o Brasil e a Suíça, em que nem o Pombo Richarlison conseguiu me empolgar com
seus arrulhos.
*
Texto de Ronaldo Correia de Brito
Ilustração de Rafael Olinto
quinta-feira, 6 de outubro de 2022
A MULHER QUE ODIAVA O ZICO
Esta
é uma história de amor. Ela, a mulher, muito amava o marido. Porém, o amor... Ah,
o amor... Ele, o marido, assim como “João amava Teresa que amava Raimundo que
amava Maria que amava...” amava o Flamengo, que quando ganhava, atirava-o para
os braços eufóricos de sua quadrilha por toda a noite, mas, quando perdia, mandava-o
direitinho para os braços consoladores da mulher.
Para Ronaldo Rhusso,
Maiara, Marino, quase todos os primos e incontáveis amigos que fazem com que eu, um vascaíno (assim
como Drummond), tenha imensa simpatia pelo Flamengo Povão, não por esse que aí
está de conluio com o fascismo vigente.
Foto
retirada da Internet.
sábado, 19 de junho de 2021
A ditadura do futebol
A minha paixão pelo futebol não é recente, não é de moda, não é fruto do acaso. Vem de sempre, do mais longe da infância, manteve-se sempre constante e alimentou-se sempre de um genuíno prazer pela estética e pela geometria do jogo: até mesmo ver miúdos a jogar na areia de uma praia me cativa, não apenas ver jogar Messi ou Ronaldo. Mas, hoje em dia, dou por mim a ficar cada vez mais farto de futebol. O jogo, em si mesmo, é cada vez mais desinteressante, a partir do momento em que o seu objectivo principal — marcar golos — foi substituído pelo de não deixar o adversário marcar golos. O futebol-arte foi substituído pelo futebol-indústria, no qual desaguaram em força todas as máfias de dinheiro obscuro do mundo — da Rússia, do Médio Oriente, da Ásia — que forçaram o espectáculo futebolístico até aos limites: mais jogos, mais competições, mais horas de transmissões televisivas de jogos e debates sobre jogos, e jogadores pagos pornograficamente, com a contrapartida de jogarem até à exaustão. Todos os envolvidos no negócio — donos e administradores dos clubes, técnicos, jogadores, programadores de televisão, dirigentes das Federações, da UEFA e da FIFA — sabem que a corda está esticada até ao limite, mas apostam na infinitude de um filão que não se esgotará nunca, pois acreditam que não se esgotará nunca, passando de geração em geração a paixão do público por este jogo. E, por isso, não é possível abrandar nem conter a ambição — daí a recente tentativa, por enquanto frustrada, de 12 dos mais ricos clubes europeus quererem ainda enxertar uma outra competição, só para eles, às já existentes. E, quando se paga seis, dez, vinte milhões por ano a um jogador, e mais do que isso a um treinador, perder não é opção. Daí que todos os treinadores, sem excepção, cuidem hoje, primeiro que tudo, de preparar as suas equipas para não perder. Os das mais ricas preparam-nas também e depois, para tentar ganhar; os outros, apenas para defender. O resultado à vista é que todas as equipas acabam a jogar da mesma maneira, um futebol previsível, cauteloso, aborrecido, destinado a matar à nascença o improviso e o génio. Bom exemplo disso é a saída de bola dos guarda-redes, actualmente a jogada mais ensaiada pelos treinadores, a mais repetitiva e a mais desinteressante. Aliás, tenho para mim e desde há muito, que, com honrosas excepções — como um padre-treinador que tive aos 15 anos — os treinadores só servem para complicar o que é simples. E quando vieram acrescentar-lhes o VAR (hoje, o personagem principal e invisível do jogo) e toda uma teia de intrincadas interpretações técnico-jurídicas sobre as 13 leis do futebol — ainda por cima, mudando todos os anos — este jogo, outrora fascinante, vai-se tornando cada vez mais aborrecido.
(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 18/06/2021)