terça-feira, 18 de junho de 2013
Padre Emílio protestante
Padre Emílio recebeu os alunos da faculdade
de sociologia da Universidade Federal de Viçosa para uma entrevista que
serviria apenas como exercício escolar, mas na qual ele abriu o seu coração. Lá
pelas tantas, perguntaram o que ele pensava das manifestações que ora
proliferam no país e se ele não temia que protestos contra os gastos públicos como
o que se fez no estádio de Brasília a quando da abertura da Copa das
Confederações fosse por em risco a realização da Copa do Mundo, no Brasil. “Eu
acho é pouco!” “!?” “O México está bem preparado e pode muito bem arcar com
outra em cima da hora.” Os estudantes não entenderam nada, afinal é sabido que
o padre gosta muito de futebol e é praticante, apesar da idade avançada. “Para
ser franco, esse protesto tocou-me também. Mais me conscientizo que não gosto
do Futebol. Gosto sim, e muito, de jogar à bola.” “Mas o senhor até ajudou a
fundar um time de futebol, o Cumaru!” “E disputamos o campeonato da várzea...
Só nós sabemos com que dificuldades!” Padre Emílio debulhou o desabafo. “Não ao
futebol estado! Estado rico. Não à FIFA! O Brasil é o país do futebol? Não. É o
país das peladas de pés descalços, onde o maior derby é o Com camisa versus Sem
camisa. Esse futebol que dizem ser o do Brasil é o futebol da CBF e de algumas
associações privilegiadas. A seleção representa a Confederação, não os clubes
que vivem na penúria. A Pátria de Chuteiras que Nelson Rodrigues falou...
chuteiras Nike, Adidas... com uma pedrinha dentro, uma pedrinha de ouro! De
vira-latas, que nos sentíamos, passamos a ter o rei na barriga! Penta! Não.
Somos ainda moralmente bi campeões, pois o que se viu depois de 62 foi só
fantochada. Sessenta e dois, ano em que nasci. Eu nunca vi o Brasil ser
campeão. Heróis!? Heróis são os do passado, são os da Celeste Olímpica. São os
do Taithi. São os que sabem aliar o desporto ao lazer. Eu só quero é ganhar
para que o adversário pague a cerveja na venda do Gonzaga. Quem quiser que
embarque nessa. Eu tenho um amigo, para vocês terem uma ideia... é ateu e
comunista desses de comer criancinha... e no entanto é um torcedor fanático.
Chega a ficar doente quando a seleção perde. A paixão é isso! Os romanos já
sabiam disso e estabeleceram a política do Pão e Circo. Aqui, arranjaram um
jeitinho de ganhar dinheiro com ela. Vendem o pão e vendem o circo.” O padre
vai para trás de um biombo e continua a falar enquanto se troca. “E quanto aos
protestos para reduzir o preço das passagens, eu sou contra. Há que se
protestar pelo não pagamento das passagens. Ou melhor, pelo passe livre, pois
que todos pagamos através dos impostos e das propagandas viárias. E por falar
em protesto, que tal estou?” Padre Emílio aparece trajando uma batina toda
branca. “Vamos, que está na hora!”
terça-feira, 28 de maio de 2013
Padre Emílio e mais futebol
Padre Emílio entrou na barbearia à paisana,
mas com o chapéu preto de aba larga do hábito esquecido na cabeça, o que lhe conferiu
um ar ridículo, mas ninguém riu, pois todos sabem que o padre só anda sem
batina quando está de mau humor. Foi logo contando o motivo da zanga. Mais uma
vez lhe assaltaram a geladeira. Desta vez beberam toda a jarra de suco de
cupuaçu feito com a fruta mandada do Acre. Uma prenda do antigo amigo, o Padre
Paulino. “Eu só tinha provado! Deixei na geladeira para tomar depois da aula de
catecismo... Eu não entendo. Por que não levam a LED? Ou o...“ “Isso não!”
Gritaram todos. O aparelho de televisão super moderno foi comprado pelos
moradores e estava guardado na sacristia para ser instalado no salão paroquial.
Seria assistida ali a Copa do Mundo, para dar sorte, pois alguém lembrou que a
de 2002 que foi vista na TV do padre, o Brasil ganhou. A de 2006 que viram na
venda do Gonzaga e a de 2010, na que a Prefeitura instalou na praça, o Brasil
perdeu. Assim, trocaram a velha TV a preto e branco do padre por uma de não sei
quantas polegadas em alta definição. Porém o Padre Emílio que, de futebol,
gosta mesmo é de jogar e não liga muito ao profissionalismo exacerbado que
consome o desporto rei, acha que isso de alta definição é só para se ver melhor
as sobrancelhas retocadas da maioria dos jogadores de hoje em dia e que a TV
bem poderia ter sido levada em lugar do recheio de sua geladeira sempre tão
desmilinguida. Alguém levantou a suspeita sobre o sacristão que o padre havia
dispensado. “Não. Esse andou sumindo com uns ovos e botando a culpa nos ratos.
Mas não seria tão petulante. De mais a mais, ele gosta muito é de dinheiro!” A
conversa girou preocupada com a segurança. Foi sugerido que o padre trocasse o
cão por um ganso. Também que ele perdesse a mania à avessas de não por tranca
nas portas. O Tonico, sem parar de escanhoar o cliente, picou o padre. “Seu
padre quando arranjou o cachorro não dizia que era o maior guardião que
conhecera? Que não tinha animal melhor para proteger a casa? Então!...” O padre
explicou que o vira-latas era bom na defesa dos males espirituais, como certas
plantas que atuam como verdadeiros para raios absorvendo as vibrações negativas.
E o seu cachorro era um desses. “Não é por acaso que lhe dei o nome de Catimbó!”
Tonico suspendeu a navalha e debochou mais ainda. “Catimbó! Seu padre agora é dado
às coisas do espiritismo, é!?” Padre Emílio tirou o chapéu e disse se olhando ao
espelho. “Nos tempos que correm, meus irmãos, há que se cercar pelos sete lados!”
Padre Emílio na reserva
Padre Emílio chegou na concentração e deu
de cara com um jovem alto e forte vestindo a camisa três. “Quem é o grandalhão?”
perguntou ao treinador que veio cheio de dedos para explicar que seria um teste
já que o jogo seria um amistoso valendo só a grade de cerveja na venda do Gonzaga.
“Então pode botar o armário pra jogar também o campeonato, que eu estou fora!” Padre
Emílio explicou a razão de não querer um regra três. Ele diz que quem fica no
banco fica rezando pra que o titular se machuque. “Não precisa de reserva. Tem
o Zequinha que joga no meio, mas também na defesa e temos o Dida que não se
incomoda de ser reserva e que é curinga. Quantas vêzes me substituiu! O Dida joga
até de goleiro se for preciso.” O treinador aguentou a ciumeira do padre e
perguntou, já sem cerimônia. “Ué, seu Padre! A sua reza não deveria ser mais
forte? O Bem sempre não vence o Mal?” Padre Emílio não esperava levar com uma
filosofia desta na testa e foi-se dirigindo para o banco de reservas dizendo. “O
Bem sempre vence, mas demora. Para se fazer o bem, às vezes leva-se uma vida inteira,
o mal, é dois palitos. O tempo de partir uma perna!” Padre Emílio nunca em sua vida
de desportista havia ficado no banco. Foi uma experiência nova e que, bem vista,
até lhe fez muito bem. Deu-lhe para pensar a vida. Afinal são cinquenta anos no
lombo. Meio século de vida. Notou que o outro era bom jogador e poderia vir a ser
um substituto à altura. Bem poderia pendurar as chuteiras. Já não era sem tempo.
Com quinze minutos de jogo já imaginava a festa de despedida, na qual jogaria o
primeiro tempo e passaria a número três para aquele homem grande e saltador que
ele nem sabia o nome, mas a quem já dirigia os melhores e mais cristianos pensamentos.
Foi quando o novato subiu para rechaçar uma bola alta e caiu com o pé num buraco
torcendo o tornozelo. Padre Emílio, que já tinha tirado o uniforme, teve que se
vestir rapidamente. Ao entrar em campo cruzou um olhar calado com o treinador e
nele dizia. “Eu não fiz nada!”
sexta-feira, 10 de maio de 2013
sexta-feira, 26 de abril de 2013
Mais uma do Padre Emílio
Padre Emílio gosta
de galinha gorda. Daquelas da gordura amarela que da cá um pirão de lamber os
beiços! Dona Ednéia todos os meses separa a galinha mais gorda do seu galinheiro
e leva para o padre. Isso, até três meses atrás, quando começou a desaparecer
justo a galinha da oferta. A princípio pensou-se que se tratava de uma mucura,
mas nunca se viu gambá tão esperto e Dona Ednéia além da arapuca, ficou de
atalaia e viu. “Eu vi, senhor padre!” O gatuno era o Gilsinho. Filho de boa
família, frequentador da paróquia. Um bom rapaz! “Vício! Dona Ednéia, vício!” “Desconjuro,
senhor padre, mas eu até pensei em chamar a polícia!” Bom menino! É estudioso,
trabalhador e ponta direita do Flamenguinho. “Não faça isso, dona Ednéia! Deixe
comigo!”
Padre Emílio não é
violento e não gosta de confusão. Dá um boi para não entrar numa briga e dá uma
boiada pra ser o primeiro a sair dela. É de paz. Mas tudo tem um limite. E essa
tênue linha divisória de humores ele transpôs quando pediu ao treinador que o
deixasse atuar na lateral esquerda no jogo da primeira mão com o Flamenguinho
de Baixo. O treinador achou estranho o pedido, mas era apenas mais uma esquisitice
do padre que não tem nem cacoete de lateral. Porém, permitiu a doidice, desde
que fosse por pouco tempo. “Só o tempo de dar um recado.” No primeiro ataque
pela direita o Gilsinho passou a bola por entre as pernas do lateral
improvisado. Por sorte o cruzamento foi para fora. Na segunda, o padre chegou
primeiro à bola, mas manteve o pé em riste acertando a canela do moleque. O
juiz assinalou jogo perigoso. Padre Emílio correu para dentro da área e
rechaçou com a cabeça o tiro livre indireto. Mas o recado ainda não estava
completo. Numa bola dividida o padre acertou um tostão no Gilsinho que ficou
rebolando no chão. Padre Emílio voltou para a sua posição e deu por encerrada a
questão para não levar com o segundo cartão amarelo e ser expulso de campo. Mas
quando terminou o jogo foi ter com o Gilsinho que ainda puxava da perna e
reclamou. “Pô, seu padre! Só porque eu lhe dei uma caneta!” “Não! Foi por causa
da galinha gorda que eu não como há três meses.” E a ameaça! “Ainda temos o
returno!” Todos os meses, dona Ednéia leva para o padre a galinha mais gorda de
seu galinheiro, do qual continua desaparecendo galinha. Mas só as magricelas!
segunda-feira, 15 de abril de 2013
Padre Emílio
Padre Emílio não
sabia bater pênaltis, mas como o time em que jogava não tinha nenhum batedor
oficial, o treinador estipulou que quem sofresse a falta era quem faria a
cobrança sendo que na impossibilidade de ser o próprio, seria o Padre Emílio, o
mais velho da equipe, o responsável pela tarefa. Foi o que aconteceu no último
jogo do Cumarú Esporte Clube. O ponta de lança Wedesley foi derrubado na área e
teve que ser retirado de campo com suspeita de fratura no perônio. Lá foi o
Padre Emílio aplicar o castigo máximo ao adversário que ganhava de um a zero. Era
a chance do empate que tanto precisava o Cumarú para manter-se bem no
campeonato da várzea. Saiu calmamente da zaga onde se postava durante quase
toda a partida e, em passos decisivos atravessou o campo sempre de olho no
goleiro que parecia expressar um ligeiro sorriso. Padre Emílio foi logo
implicando com o adversário. “E isso aí na orelha brilhando mais que catarro na
parede com farol de automóvel batendo em cima, que que é isso?” O defensor
trocou o sorriso debochado pela cara de quem não entendeu patavina. E o Padre
continuou com a pressão psicológica. “No meu tempo quem usava brinco era
cigano. Uma argola, numa orelha. Nas duas era coisa de mulher. Tá imitando o
Cristiano Ronaldo ou o Maradona? Nunca vi goleiro usar brinco! É diamante ou
foi comprado no brechó?” O goleirinho já incomodado conseguiu reagir: “Seu
Padre tá tirando onda com minha cara!?” O árbitro interferiu: “Vamos logo com
isso ou dou cartão amarelo pros dois!” Padre Emílio insiste com a guerra de
nervos e diz: “Senhor juiz, se não me engano é proibido jogar com joias. é uma
questão de segurança!” O juiz olha para o goleiro e este, solenemente, retira
os brincos, coloca-os no fundo da rede e se posiciona altivamente como que a
dizer que com ou sem brinco era mais ele e não seria um padre perna-de-pau que
só sabia dar pancada que iria bater-lhe. Ele que era um bom goleiro e que até
tinha a fama de apanhador de pênaltis! O Padre Emílio que tinha por lema
“quando não se sabe fazer, faz-se” fez. Fechou os olhos e mandou uma bicuda. A
bola foi forte e rasteira, bem ao canto, como se tivesse sido atirada por um
especialista, mas o keeper, que apesar da pouca estatura tinha bom impulso e
elasticidade, alcançou a esfera e agarrou-a firmemente com as duas mãos. Foi um
momento de puro espetáculo. O goleiro acenou para a pequena, mas ruidosa
torcida e foi pegar os brincos ainda com a bola debaixo do braço. O juiz não
conversou. Apitou gol e o zagueiro Padre Emílio foi o carregado aos ombros até
à venda do Gonzaga onde esperava, geladinha, uma grade de cerveja. Comentou-se
que um caso parecido acontecera com o Ademir Queixada, excelente batedor de
pênaltis do Vasco da Gama. Mas foi nos antigamentes.
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