Padre Emílio entrou na barbearia à paisana,
mas com o chapéu preto de aba larga do hábito esquecido na cabeça, o que lhe conferiu
um ar ridículo, mas ninguém riu, pois todos sabem que o padre só anda sem
batina quando está de mau humor. Foi logo contando o motivo da zanga. Mais uma
vez lhe assaltaram a geladeira. Desta vez beberam toda a jarra de suco de
cupuaçu feito com a fruta mandada do Acre. Uma prenda do antigo amigo, o Padre
Paulino. “Eu só tinha provado! Deixei na geladeira para tomar depois da aula de
catecismo... Eu não entendo. Por que não levam a LED? Ou o...“ “Isso não!”
Gritaram todos. O aparelho de televisão super moderno foi comprado pelos
moradores e estava guardado na sacristia para ser instalado no salão paroquial.
Seria assistida ali a Copa do Mundo, para dar sorte, pois alguém lembrou que a
de 2002 que foi vista na TV do padre, o Brasil ganhou. A de 2006 que viram na
venda do Gonzaga e a de 2010, na que a Prefeitura instalou na praça, o Brasil
perdeu. Assim, trocaram a velha TV a preto e branco do padre por uma de não sei
quantas polegadas em alta definição. Porém o Padre Emílio que, de futebol,
gosta mesmo é de jogar e não liga muito ao profissionalismo exacerbado que
consome o desporto rei, acha que isso de alta definição é só para se ver melhor
as sobrancelhas retocadas da maioria dos jogadores de hoje em dia e que a TV
bem poderia ter sido levada em lugar do recheio de sua geladeira sempre tão
desmilinguida. Alguém levantou a suspeita sobre o sacristão que o padre havia
dispensado. “Não. Esse andou sumindo com uns ovos e botando a culpa nos ratos.
Mas não seria tão petulante. De mais a mais, ele gosta muito é de dinheiro!” A
conversa girou preocupada com a segurança. Foi sugerido que o padre trocasse o
cão por um ganso. Também que ele perdesse a mania à avessas de não por tranca
nas portas. O Tonico, sem parar de escanhoar o cliente, picou o padre. “Seu
padre quando arranjou o cachorro não dizia que era o maior guardião que
conhecera? Que não tinha animal melhor para proteger a casa? Então!...” O padre
explicou que o vira-latas era bom na defesa dos males espirituais, como certas
plantas que atuam como verdadeiros para raios absorvendo as vibrações negativas.
E o seu cachorro era um desses. “Não é por acaso que lhe dei o nome de Catimbó!”
Tonico suspendeu a navalha e debochou mais ainda. “Catimbó! Seu padre agora é dado
às coisas do espiritismo, é!?” Padre Emílio tirou o chapéu e disse se olhando ao
espelho. “Nos tempos que correm, meus irmãos, há que se cercar pelos sete lados!”
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