Domingo. Animação. Nervosismo. Expectativa. Estamos de serviço, mas eu sei que, lá uma vez ou outra, vou ter um dos meus maiores prazeres: Ver a bola rolar! Quanto mais nos aproximamos do estádio, mais me sinto ansioso. Vamos trabalhar, mas eu sei que ela vai passar por mim e vou acompanhá-la com o olhar e imaginar as coisas que faria com ela. Pura brincadeira! A arquibancada está cheia e todos olham para ela. Ela é o centro das atenções. Porém, eles só querem que ela lhes cumpra os desígnios favoráveis. Por vezes, ela escapa do relvado e vai ter com a multidão e eu sinto cá uma inveja! Ingratos! Eles não gostam dela, ou melhor, podem até gostar, mas gostam mais daqueles que a disputam, brincam com ela, acariciam-na, dão-lhe beijinhos... Eu? Gosto tanto que até apetece-me mordê-la. Comê-la! Não, eles não podem gostar mais dela do que eu. Uns, tem a paixão pelo clube, os outros a usam como trabalho. Eu? Pura diversão! Chega a ser bonito o agitar das bandeiras, qualquer delas... Eu gosto mesmo é da bola! O meu colega é que sofre, coitado. É um bom profissional e não desvia a atenção da sua tarefa mesmo quando é o seu time que está a jogar. Sinto a sua angústia. Ele, de costas para o campo, com os olhos pregados na torcida. Só sofro quando não a vejo e entretenho-me a observar aquela multidão que se alegra, entristece ou revolta com resultados, como se a bola não existisse. Bobos! Domingo. Para mim, é sempre assim. Duas horas nisso.
Sinto o ligeiro puxar da trela, ergo o cu da relva e caminho com o colega para a saída. Cabeça baixa, como fui treinado, mas com os olhos a vasculhar na esperança de a terem esquecido nalgum canto do gramado. Mas isso nunca acontece! Será que alguém gosta mais da bola do que eu?
Lisboa, 2000
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