O homem é um bichinho deveras inconformado. Rebelde por excelência, não se contenta com a sua condição e faz de tudo para superar as suas limitações e livrar-se das suas dependências. Assim, se não consegue fugir do que Deus dá, pelo menos, brinca.
Sua maior limitação é a força da gravidade que, durante muitos milênios, fez com que ele só conseguisse ver-se livre dela, em sonhos. Sua maior dependência, a mão.
De tanto sonhar, acabou por conseguir escapar da Gravidade, mas para tal, teve que usar a mão.
A mão, que, para o cérebro, é mãe, pois foi quem despertou esse brincalhão que ora se volta contra ela, atribuindo aos pés as suas habilidades. Justo os pés que, outrora foram mãos, mas que, desde que o homem passou a erectus, sua anatomia compactou-se para suportar toda a massa atmosférica e os impactos gravitacionais.
Tirando os casos em que os pés fazem as tarefas das mãos por questão de necessidade, a maior partida que o homem poderia fazer com a mão era criar um jogo onde ela fosse desprezada. E um jogo com bola que, como a terra, é redondinha e não tem por onde pegar. É! É o espírito lúdico, competitivo e, como o próprio universo, com tanto gosto pelo acaso.
No futebol, dito também soccer, ela é tão desprezada que se torna enorme. Vai desde a ponta da unha até ao braço. Dependendo da situação, até o uso do ombro ou a simples menção de colocar a mão na bola, é uma falta grave. Assim como no futebol americano, que só usa o pé em determinado momento, o nosso futebol só usa as mãos para por a bola em jogo a partir da linha lateral do campo ou para guardar a baliza. Como o objetivo do jogo é o gol, para impedi-lo, vale tudo, até mesmo usar as mãos.
Superar com as mãos o encanto que os pés proporcionam, só com magia. Coisa assim, como tocar clavicórdio.
Oferecido ao Cristiano Holtz, que não joga futebol, mas toca clavicórdio.
Jorge Carlos
Petrópolis, 22 de setembro de 2014
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