sábado, 21 de julho de 2018

POR QUE NÃO TORCI PARA O BRASIL

(testaum)

Bom, preciso dizer algumas palavras a meus amigos e seguidores - a todos os três. Não, eu propriamente não 'torci contra' a seleção brasileira. Apenas fiquei indiferente. Simplesmente não consegui torcer. Não foi a primeira vez. 

Em primeiro lugar, nem todo mundo que 'não' torceu pela seleção o fez (ou 'não' fez) por motivos políticos, por causa do golpe, do estado lastimável em que o país foi jogado, etc. Meus motivos foram ligados ao futebol mesmo. 

'Não' torci - admito, em alguns momentos torci contra, mas só em alguns momentos - por (principalmente) três razões: 

1. Por causa da mafiosidade da CBF (e de sua pátria-mãe, a FIFA). 
2. Por causa do coachismo do técnico e da comissão técnica. 
3. Por causa do estrelismo espetacularizado de alguns dos principais jogadores. 

O ponto 1 não precisa explicar muito. A FIFA tem um poder centralizador incomparável em todo o planeta, que rivaliza apenas com o do Vaticano. E usa esse poder para - comprovamos recentemente o que já sabíamos há muito tempo - traficar influências juntos aos Estados nacionais e, claro, enriquecer a si mesma como corporação e à sua elite de dirigentes. Não há um clube de 4a. divisão do país africano mais pobre que não deposite uns cobres no cofrinho da FIFA (via sua Federação local) a cada jogo jogado. A CBF (a antiga CBD que, semelhante ao PMDB mudou de sigla pra tentar melhorar a imagem) sempre esteve nos altos círculos da FIFA, e sua corrupção nacional colocou na cadeia seus dirigentes mais recentes. Estamos ainda longe de saber toda a podridão que se oculta na instituição, envolvendo até mesmo a ilibada Rede Globo de Televisão, olha que coisa! Essa instituição fraudulenta NUNCA se preocupou com o esporte ou com as pessoas e famílias que vivem dele. É business, business, business, dólar, euro, (padrão) ouro. Atualmente, não consigo torcer por coisa alguma que essa 'instituição' organize ou represente. 

Ponto 2: Estou com Paulo Cesar Caju. O estilão gaúcho dos técnicos atuais está matando o futebol brasileiro. Tite me incomoda ainda por outro motivo: seu coachismo midiático (entonações retóricas bem medidas, chegou a ganhar mais dinheiro com comerciais de TV no pré-Copa do que o próprio Neymar) impõe ao futebol um lugar e um papel que o técnico de futebol definitivamente NÃO tem. Muricy Ramalho faz coro com o técnico belga ao dizer que 'na prancheta ganho todos os jogos', e que a responsabilidade do técnico se resume a meros 30% do resultado de um jogo. Em campo, são os jogadores que jogam. E às vezes são eles mesmos que se escalam. 

O Brasil ganhou 5 copas, todas elas com técnicos meia-boca. Em 58, o sonolento Feola; em 62, Aymoré Moreira o substituiu em cima da hora, quase pró-forma, mantendo-se a comissão técnica quase toda; em 70, um inexperiente Zagalo sucedia (esse sim!) o técnico que de fato armou a seleção, João Saldanha; em 94, Romário e Taffarel venceram a Copa apesar de Parreira (o tal de 'o gol é um mero detalhe'); em 2002, veio Felipão e sua 'família'. Devemos falar ainda de 82, quando perdemos a copa por um (REAL) acidente de percurso contra a Itália. O técnico era um sujeito que compunha e dialogava com os jogadores, não se sobrepunha a eles - talvez o melhor técnico que esse país já teve: Telê Santana. Não se vê nada parecido hoje em dia. 

O que todos esses times tinham em comum (menos 94 - que só venceu aos trancos e barrancos, porque por um lado tinha um goleiro e um centroavante e por outro o nível da Copa estava abaixo da média)? Esses times tinham líderes (técnicos!) dentro do campo! Em 58 e 62, Didi, Zito, Nilton Santos. Quem viu Didi pegar a bola no fundo das redes no primeiro gol da Suécia na final em 58, levá-la embaixo do braço até o meio campo enquanto esbravejava serenamente (?) com seus companheiros, sabem do que estou falando. (Vi em video, em 58 eu estava nascendo). Em 70, Zagalo sequer escalava o time. Pelé, Gérson e Carlos Alberto eram os técnicos. Em 82, Telê dialogava com nada menos que Júnior, Falcão, Sócrates e Zico. Em 2002, Felipão tinha dentro de campo Roberto Carlos, Ronaldinho e Rivaldo, e no banco Ricardinho, Júnior e Juninho Pernambucano. Mas e nesse time de 2016??? A estrela absoluta é o Tite e seus esquemas, e seus conceitos de 'força mental', 'consistência', 'finalizações'... Não há ninguém dentro de campo com controle emocional e visão de jogo para comandar os companheiros. O rodízio de capitães é uma piada de mau gosto. 

(Parênteses: seleções com grandes atacantes foram embora: Messi, CR7, Neymar. Seleções com meio-campos criativos tão na briga: Modric, De Bruyne e Hazard, Griezmann. Vamos, me digam: onde estão nossos meio-campos? Felipe Coutinho é candidato mas ainda não - mesmo assim foi decisivo nas três partidas da fase classificatória; Renato Augusto ficou no banco, até quase decidir contra a Bélgica). 

Não importa vencer todos os jogos amistosos e torneios preparatórios e não se preparar para o mata-mata (que é de fato do que é feito uma copa do mundo). Em uma de suas entrevistas (sempre bem planejadas, oratória afiada), Tite chegou a dizer (como se fosse algo!) que o Brasil tinha sido a equipe que mais finalizou, ficando atrás apenas da Alemanha! Dois dias depois, a Alemanha que mais finalizou foi eliminada na fase de grupos. E o Brasil caiu nas quartas. Isso deve dizer alguma coisa. Pra mim, diz o óbvio. As estatísticas (finalizações, posse de bola, quantos quilômetros se correu, etc) podem fazer muito sentido para esportes como o baseball, o basquete e o futebol americano (onde surgiram e de onde se espraiaram para o mundo), mas não fazem o menor sentido num esporte em que você pode ter 30% de posse de bola e dar dois chutes ao gol adversário e mesmo assim vencer a partida (lembram do Chelsea contra o Barcelona?). 

Nenhum técnico sério se debruçaria sobre isso. Prefiro alguém que entenda de nosso futebol e NÃO ATRAPALHE, do que alguém a quem todos devem render homenagens de maestro e professor. Não, não creio que Tite tenha feito um bom trabalho. Escalou mal o Corinthians, quer dizer, a seleção, quer dizer, vocês entenderam), sentou sobre um rol de resultados em que nada estava em jogo (nos jogos preparatórios e amistosos mais vale arriscar, testar e perder do que acumular bons resultados em que não se aprende nada - teve o mérito de salvar as eliminatórias), insistiu em aferramentos táticos que não deram certo (o que foi o 'falso 9' Gabriel Jesus??? Mas a mídia se ocupou de justificá-lo todo o tempo), e principalmente (chego no último ponto) não fez nenhum esforço para deslocar o eixo da equipe do mimado Neymar para o coletivo. Ao contrário, ele o defendeu em todas as suas pirracinhas dentro e fora de campo. Deus no que deus. 

[Mas, sacanagem, o Canarinho Pistola foi a melhor coisa, o mascote mais maneiro de todos os tempos! Não merecia tal sorte. Não merecia o Neymarketing!] 

3. O terceiro ponto diz respeito aos jogadores. Em sua maioria, são de uma geração cujo sonho de menino era jogar no Barcelona, no Manchester, na Juventus. Isto é, sair do país, ser famoso mundialmente e ganhar muito, muito dinheiro. Jovens, se foram pro futebol europeu. Nunca se ganhou tanto dinheiro, um dinheiro OBSCENO, pra jogar futebol. Esses jovens são totalmente desconectados do povo que, diante do 'legado' da Copa no Brasil, ainda foi alijado dos estádios pelo padrão-Fifa dos preços absurdos. Torço (torcia, nem isso me apraz mais) pelo Flamengo. Quando menino, me acostumei a ver e a conviver com pretos e pobres nas arquibancadas e nas gerais do Maracanã. Hoje não os vejo mais. Os 'torcedores' do Brasil em Moscou gritam 'boceta rosa' desrespeitando uma menina russa: são profissionais liberais, da mais merda de nossa classe média, alguns em cargos políticos. Fora esses desviantes, a maioria dos torcedores são brancos e com dinheiro suficiente pra passar 20 dias na Rússia pagando ingressos caríssimos e sem trabalhar. 

Neymar é um embuste. A cada vez que ouço alguém falar do que ele passou, ou do jogador fora de série que ele é (e ele é!), só consigo pensar no que ele ganha, no que ele sonega, e no que ele - pra usar uma palavra coachista - 'entrega'. E aí, sinto muito, a distância entre o valor de uso e o valor de troca gera muito, mas muito lucro! Nenhuma condescendência com um homem infantilizado, mimado, midiático, que em campo xinga adversários, juízes e companheiros, pra depois se postar estrategicamente diante das câmeras do mundo pra chorar (no segundo jogo, contra a Costa Rica!). Sinto muito, não consigo ver quem ganha 1,8 milhão por mês pra jogar bola (ou seja, pra algo que não produz quase nenhum valor pra sociedade) como um 'ser humano como qualquer outro'. Os demais jogadores não são equipe, são 'parças'. Todos eles estão ali a serviço dele, Neymar. Jogam pra ele, apontam pra ele, o defendem incondicionalmente. A seleção de 70 tinha Pelé em campo e o time NÃO jogava para ele. Aliás, era bem o contrário. Ele é que jogava por todos, às vezes. Na verdade, é o que acontece hoje com o 'bola de ouro' (da qual o 'menino Ney' está cada vez mais longe) atual, Cristiano Ronaldo. Ele joga (ou tenta) por toda a equipe. 

Mas essa condição do Neymar não é de hoje. Lembram do jogo contra a Alemanha (sim, aquele) em 2014, quando o time entrou em campo choroso e circunspecto, segurando a camisa do Neymar (lesionado), dizendo que iriam jogar para ele? Nunca vi isso acontecer com nenhum jogador machucado... Pequenos detalhes, como o gol do Thiago Silva, agora contra a Sérvia, confirmam o que estou falando. Neymar bate o escanteio. Thiago sai atrás da bola e a encontra no primeiro pau, mete a cabeça, golaço. Mas logo as câmeras focam em Neymar, que está no canto, aos gritos, dizendo "Vem! Vem!". E todos vão abraçar... Neymar! E o locutor-títere da Globo louva o passe magistral de... Neymar! Outra: ao fim do jogo contra o México, Neymar é carregado nos ombros por Paulinho, embora o grande nome do jogo tenha sido William. 

O futebol hoje NÃO é mais um esporte. É um NEGÓCIO PLANETÁRIO, uma atividade hiperespetacularizada, megamilionária. Se eu fosse ainda ligado em estudos de midiologia, poderia fazer longas análises sobre a cobertura de uma Copa do Mundo. Paul Virilio teria orgasmos múltiplos se resolvesse trabalhar nisso hoje. Até um alemão frio e sofisticado como Kittler os teria. A multiplicidade de câmeras, de tempos e velocidades (câmeras hiperlentas, supercloses, 360%), as edições e os grandes esquemas tecnológicos pirotécnicos 3D criados para deslindar as táticas e, sobretudo, o Espetáculo pelo Espetáculo, o Espetáculo que dispensa o conteúdo e o fato, quando a matéria fala de si e para si, quando o 'repórter' não descreve nada além de suas sensações ao descrever, que é isso o que no fundo lhe importa, quando em toda reportagem há de ter uma gota de arte, uma crônica, uma gag... E tudo, claro, alagado por anunciantes, produtos, reclames, lobbies, enfim, negócios e negócios e mais negócios. O povo passivo compra (essa é a palavra) todo esse simulacro - ou melhor, essa simulação - como real. Distraídos. 

Adendo sobre o 'falso 9': não sei se por causa do quadro das matrioskas (que derrota isso, gente!) ou de outros negócios ainda mais escusos, não consegui entender até agora a permanência de Gabriel Jesus nesse time e fazendo essa função. Vi e ouvi comentadores da TV e de facebook se derramando em elogios a ele e ao Tite pela função de 'abrir espaços' e 'jogar sem a bola'. "É fundamental para o esquema do Tite", diziam. Tomá no cu, digo eu em alto e bom som. Isso não é falso 9! Jogar sem pegar na bola, sem chutar a gol, sem fazer um gol, só marcando um pouquinho, na boa, até EU faço essa função, não é preciso nem jogar futebol pra isso! Só vou dizer um nome de um verdadeiro (?) falso 9: TOSTÃO! Abriu espaços, marcou o ataque, mas fazia jogadas maravilhosas, deixava os companheiros na cara do gol, driblava e fazia gols! Ponto final. 

Adendo sobre a expectativa da seleção brasileira: jogam 32 seleções nacionais numa Copa do Mundo, todas elas classificadas em penosos (os da Europa, então!) torneios continentais. Todas chegam para disputar o torneio, sabendo que apenas uma será campeã. Todas (quase todas) chegam sem nada e vão conquistando passo a passo, jogo a jogo a sua condição de disputar a final. E se alegram a cada vitória. Todas (quase todas) chegam pra disputar a Taça, conscientes que têm 1/32 de chances de obtê-la. Mas o Brasil não. A seleção brasileira parece chegar à Copa com a taça já ganha, e se ocupa 'apenas' de não deixar que nada se interponha no caminho de sua merecidíssima vitória já desde sempre reservada. Se algo acontece (como em 2006, 2010, 2014, e agora em 2018), trate-se de 'entender o por quê', de se identificar e punir os culpados. Nunca perdemos para um adversário mais forte ou mais capaz, nunca é (mesmo que se diga, a título de desculpinha) 'coisa do jogo', sempre perdemos para algo extra jogo (um juiz, agora o VAR, o 'azar' ou o 'imponderável') ou para nós mesmos (um jogador que não rendeu o que podia, um goleiro que falhou, etc). Isso tem que mudar um dia. É uma Copa, mas é só uma competição esportiva, em que todos têm quase as mesmas chances de vencer. Vencemos de enfiada (quando éramos DE FATO os melhores do mundo sobrando) em 58, 62 e 70, com o interregno trágico de 66. Depois disso, daí pra frente, somos bons, mas somos tão bons quanto os demais. Oscilamos, como todos. Estamos no jogo, nossa CBF é corrupta, nossos técnicos querem ser superstars, nossas estrelas são, bem, 'estrelas'. 

Último adendo (mesmo), sobre a derrota. Lembro de uma entrevista com o Loco Abreu, quando ele jogava no Botafogo. Saída do jogo. Loco Abreu perdeu um pênalti, e com isso o campeonato carioca daquele ano (se bem me lembro): [Repórter] - Loco, você deve estar arrasado, não é? [Loco Abreu] - Não. Arrasado eu fiquei mês passado, quando minha avó morreu. Eu nunca mais vou vê-la de novo. Mas hoje só perdi um pênalti, só perdemos um campeonato. Ano que vem tem outro. 

[Pano rápido] 
Caco Xavier

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Novo livro do Dandão


"São múltiplas as sacadas e metáforas que se desenrolam por entre as letras reunidas por Francisco Dandão, fazendo milhares de assuntos se misturarem entre si: política, história, geografia, filosofia, economia e, claro, o futebol, além de outros do viver cotidiano do brasileiro que marcam presença nesta obra. Os assuntos se misturam e fazem eclodir histórias fantásticas, mergulhando o leitor nas maravilhas das narrativas, por onde perpassam lembranças e sonhos a cada olhar e o brotar de sorrisos de um tempo passado e presente.". (Trecho do prefácio de Manoel Façanha).

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terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Copinha 2018

Copinha 2018

Francisco Dandão

         Morei dois anos em São Paulo, na época em que eu cursava um doutorado em Comunicação e Semiótica na Pontifícia Universidade Católica. Morei dois anos, mas jamais passei um Réveillon na cidade. Todo mês de dezembro eu ia para Fortaleza, virar o ciclo solar pertinho do mar.

Por não permanecer na capital paulista nos finais de ano, eu também nunca pude apreciar in loco os jogos da Copa São Paulo de Futebol Junior, a denominada Copinha. Sempre assisti aos jogos desse torneio à distância, milhares de quilômetros longe, pelo olho eternamente mágico da televisão.

         Nesse recente final de ano, porém, para confirmar a minha compulsão de estar sempre indo e voltando de um lugar para o outro, nada mais lógico, agora que eu moro em Fortaleza, do que a minha decisão de passar a referida virada do ciclo solar na desvairadamente linda capital de todas as esquinas.

         Dessa forma, então, eis que eu botei o pé num avião e me mandei para o delirante concreto anfitrião de todas as tribos, credos e cores. Sim, cores mesmo. É que entre o chumbo do céu e o negro do asfalto saltam por entre ladeiras e planícies paredes, brincos e tatoos de todos os matizes e espécies.

         E, assim, eu era um daqueles dois milhões de criaturas que dançaram (força de expressão, que eu no máximo ensaio um movimento de cintura, sem tirar os pés do lugar) à meia-noite do dia 31 de dezembro, no embalo da voz sensual da baiana Claudinha Leite, no Réveillon da Avenida Paulista.

         A festa na avenida foi a primeira parte da minha missão. Uma vez cumprida, tratei de traçar o meu roteiro para saber como é que eu devia fazer para chegar em São Bernardo, cidade onde o time sub-20 do Rio Branco jogaria a fase de grupos da Copinha. Sim, lá onde moram as barbas do Lula.

         O primeiro jogo do Rio Branco, contra o time da cidade, estava marcado para às 14 horas. Calculei o tempo que eu levaria para chegar ao local e exatamente às 11h30m entrei no metrô que me levaria à estação Jabaquara. A etapa seguinte seria percorrida num ônibus elétrico (trolebus).

         Cheguei ao estádio Baetão bem na hora do hino, quase duas horas e meia depois de entrar no metrô em São Paulo. E a minha primeira impressão não foi da melhores. É que a diferença física entre os atletas dos dois times era enorme. O Rio Branco parecia um time mirim em comparação com eles.

         Não gostei daquilo. Mas ainda me sobreveio a esperança de que nem sempre o maior é o melhor. A esperança se esvaiu tão logo a bola rolou. O anfitrião, mesmo sem jogar muita bola, se impôs na força e venceu fácil. Pra completar, eu ainda levei chuva no lombo. Só valeu pela festa de Reveillon!


- Janeiro de 2018 -

domingo, 7 de janeiro de 2018

Leituras de final de ano

Leituras de final de ano

Francisco Dandão

         De uns tempos para cá, eu tenho sido melhor cinéfilo do que leitor. Anteriormente era o contrário: eu lia bem mais do que via filmes. A facilidade de ver filmes no computador, através dos mais diversos serviços virtuais, influiu muito nessa minha mudança de hábito. Sinal dos tempos!

         O prazer da leitura, porém, continua presente na minha vida. E, por algum motivo que eu não saberia determinar, se intensifica em determinados períodos do ano. Dezembro é um desses períodos. Acho que, embora esteja aposentado, eu ainda imagino que este seja o mês em que eu saio de férias.

         Assim é que neste final de ano abandonei momentaneamente as séries da Netflix e trato de queimar as pestanas (expressão do já distante tempo de infância, quando eu lia à luz de velas na minha Brasiléia natal) em três leituras cruzadas: dois livros da Eliana Castela e um do cronista Xico Sá.

         Da acreana Eliana Castela, leio Da escrita rupestre à era digital e Pelos rios ao sabor da fruta. O primeiro, uma coletânea de poemas escritos nas mais diversas situações. O segundo, uma espécie de diário de bordo das andanças dela pelo mundo. Do cearense Xico Sá, crônicas sobre futebol.

         O livro de poemas da Eliana, pra falar a verdade, trata-se de uma releitura, uma vez que eu tive o prazer de lê-lo ainda na forma original. É que a autora simplesmente me deu a honra de prefacia-lo. Um primor de poesias o dessa acreana de Rio Branco, criada entre os bairros da Base e do Caxias.

         A poesia de Eliana Castela, digo eu lá pelas tantas do prefácio, “é semente que fincará raízes incandescentes na alma de quem lê-la. É sangue, seiva e fruto doce a um só tempo. (...) É ruído que pulveriza a ordem do discurso instituído. (...) Cisão num corpo recoberto com pele de lua nova...”.

         Já o outro livro da Eliana, o que eu chamo de “diário de bordo”, dele emerge uma série de impressões dos lugares que a autora percorreu no Norte e no Nordeste do país. Não é um relato acadêmico, mas bem que podia ser chamado de antropologia, sociologia ou qualquer outras várias “logias”.

         Enquanto que no livro do Xico Sá, com uma centena de crônicas sobre futebol, nesse eu misturo a fome com a vontade de comer. Texto mais do que brilhante, Xico Sá conduz o leitor por entre os meandros de uma alquimia que mistura num mesmo caldeirão a bola, o humor e a poesia. Pura magia!

         Três livros, dois autores, três distintos destinos rolando das palmas das minhas mãos. Em cada linha, um encantamento segue o outro num eterno jogo de sedução. Esperança viajando no bico de ave de arribação. Revelação de efeito sem causa. Uma certeza: a palavra é matéria que foge da abstração!


- Dezembro de 2017 -