terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Copinha 2018

Copinha 2018

Francisco Dandão

         Morei dois anos em São Paulo, na época em que eu cursava um doutorado em Comunicação e Semiótica na Pontifícia Universidade Católica. Morei dois anos, mas jamais passei um Réveillon na cidade. Todo mês de dezembro eu ia para Fortaleza, virar o ciclo solar pertinho do mar.

Por não permanecer na capital paulista nos finais de ano, eu também nunca pude apreciar in loco os jogos da Copa São Paulo de Futebol Junior, a denominada Copinha. Sempre assisti aos jogos desse torneio à distância, milhares de quilômetros longe, pelo olho eternamente mágico da televisão.

         Nesse recente final de ano, porém, para confirmar a minha compulsão de estar sempre indo e voltando de um lugar para o outro, nada mais lógico, agora que eu moro em Fortaleza, do que a minha decisão de passar a referida virada do ciclo solar na desvairadamente linda capital de todas as esquinas.

         Dessa forma, então, eis que eu botei o pé num avião e me mandei para o delirante concreto anfitrião de todas as tribos, credos e cores. Sim, cores mesmo. É que entre o chumbo do céu e o negro do asfalto saltam por entre ladeiras e planícies paredes, brincos e tatoos de todos os matizes e espécies.

         E, assim, eu era um daqueles dois milhões de criaturas que dançaram (força de expressão, que eu no máximo ensaio um movimento de cintura, sem tirar os pés do lugar) à meia-noite do dia 31 de dezembro, no embalo da voz sensual da baiana Claudinha Leite, no Réveillon da Avenida Paulista.

         A festa na avenida foi a primeira parte da minha missão. Uma vez cumprida, tratei de traçar o meu roteiro para saber como é que eu devia fazer para chegar em São Bernardo, cidade onde o time sub-20 do Rio Branco jogaria a fase de grupos da Copinha. Sim, lá onde moram as barbas do Lula.

         O primeiro jogo do Rio Branco, contra o time da cidade, estava marcado para às 14 horas. Calculei o tempo que eu levaria para chegar ao local e exatamente às 11h30m entrei no metrô que me levaria à estação Jabaquara. A etapa seguinte seria percorrida num ônibus elétrico (trolebus).

         Cheguei ao estádio Baetão bem na hora do hino, quase duas horas e meia depois de entrar no metrô em São Paulo. E a minha primeira impressão não foi da melhores. É que a diferença física entre os atletas dos dois times era enorme. O Rio Branco parecia um time mirim em comparação com eles.

         Não gostei daquilo. Mas ainda me sobreveio a esperança de que nem sempre o maior é o melhor. A esperança se esvaiu tão logo a bola rolou. O anfitrião, mesmo sem jogar muita bola, se impôs na força e venceu fácil. Pra completar, eu ainda levei chuva no lombo. Só valeu pela festa de Reveillon!


- Janeiro de 2018 -

domingo, 7 de janeiro de 2018

Leituras de final de ano

Leituras de final de ano

Francisco Dandão

         De uns tempos para cá, eu tenho sido melhor cinéfilo do que leitor. Anteriormente era o contrário: eu lia bem mais do que via filmes. A facilidade de ver filmes no computador, através dos mais diversos serviços virtuais, influiu muito nessa minha mudança de hábito. Sinal dos tempos!

         O prazer da leitura, porém, continua presente na minha vida. E, por algum motivo que eu não saberia determinar, se intensifica em determinados períodos do ano. Dezembro é um desses períodos. Acho que, embora esteja aposentado, eu ainda imagino que este seja o mês em que eu saio de férias.

         Assim é que neste final de ano abandonei momentaneamente as séries da Netflix e trato de queimar as pestanas (expressão do já distante tempo de infância, quando eu lia à luz de velas na minha Brasiléia natal) em três leituras cruzadas: dois livros da Eliana Castela e um do cronista Xico Sá.

         Da acreana Eliana Castela, leio Da escrita rupestre à era digital e Pelos rios ao sabor da fruta. O primeiro, uma coletânea de poemas escritos nas mais diversas situações. O segundo, uma espécie de diário de bordo das andanças dela pelo mundo. Do cearense Xico Sá, crônicas sobre futebol.

         O livro de poemas da Eliana, pra falar a verdade, trata-se de uma releitura, uma vez que eu tive o prazer de lê-lo ainda na forma original. É que a autora simplesmente me deu a honra de prefacia-lo. Um primor de poesias o dessa acreana de Rio Branco, criada entre os bairros da Base e do Caxias.

         A poesia de Eliana Castela, digo eu lá pelas tantas do prefácio, “é semente que fincará raízes incandescentes na alma de quem lê-la. É sangue, seiva e fruto doce a um só tempo. (...) É ruído que pulveriza a ordem do discurso instituído. (...) Cisão num corpo recoberto com pele de lua nova...”.

         Já o outro livro da Eliana, o que eu chamo de “diário de bordo”, dele emerge uma série de impressões dos lugares que a autora percorreu no Norte e no Nordeste do país. Não é um relato acadêmico, mas bem que podia ser chamado de antropologia, sociologia ou qualquer outras várias “logias”.

         Enquanto que no livro do Xico Sá, com uma centena de crônicas sobre futebol, nesse eu misturo a fome com a vontade de comer. Texto mais do que brilhante, Xico Sá conduz o leitor por entre os meandros de uma alquimia que mistura num mesmo caldeirão a bola, o humor e a poesia. Pura magia!

         Três livros, dois autores, três distintos destinos rolando das palmas das minhas mãos. Em cada linha, um encantamento segue o outro num eterno jogo de sedução. Esperança viajando no bico de ave de arribação. Revelação de efeito sem causa. Uma certeza: a palavra é matéria que foge da abstração!


- Dezembro de 2017 -