terça-feira, 28 de maio de 2013

Padre Emílio e mais futebol

Padre Emílio entrou na barbearia à paisana, mas com o chapéu preto de aba larga do hábito esquecido na cabeça, o que lhe conferiu um ar ridículo, mas ninguém riu, pois todos sabem que o padre só anda sem batina quando está de mau humor. Foi logo contando o motivo da zanga. Mais uma vez lhe assaltaram a geladeira. Desta vez beberam toda a jarra de suco de cupuaçu feito com a fruta mandada do Acre. Uma prenda do antigo amigo, o Padre Paulino. “Eu só tinha provado! Deixei na geladeira para tomar depois da aula de catecismo... Eu não entendo. Por que não levam a LED? Ou o...“ “Isso não!” Gritaram todos. O aparelho de televisão super moderno foi comprado pelos moradores e estava guardado na sacristia para ser instalado no salão paroquial. Seria assistida ali a Copa do Mundo, para dar sorte, pois alguém lembrou que a de 2002 que foi vista na TV do padre, o Brasil ganhou. A de 2006 que viram na venda do Gonzaga e a de 2010, na que a Prefeitura instalou na praça, o Brasil perdeu. Assim, trocaram a velha TV a preto e branco do padre por uma de não sei quantas polegadas em alta definição. Porém o Padre Emílio que, de futebol, gosta mesmo é de jogar e não liga muito ao profissionalismo exacerbado que consome o desporto rei, acha que isso de alta definição é só para se ver melhor as sobrancelhas retocadas da maioria dos jogadores de hoje em dia e que a TV bem poderia ter sido levada em lugar do recheio de sua geladeira sempre tão desmilinguida. Alguém levantou a suspeita sobre o sacristão que o padre havia dispensado. “Não. Esse andou sumindo com uns ovos e botando a culpa nos ratos. Mas não seria tão petulante. De mais a mais, ele gosta muito é de dinheiro!” A conversa girou preocupada com a segurança. Foi sugerido que o padre trocasse o cão por um ganso. Também que ele perdesse a mania à avessas de não por tranca nas portas. O Tonico, sem parar de escanhoar o cliente, picou o padre. “Seu padre quando arranjou o cachorro não dizia que era o maior guardião que conhecera? Que não tinha animal melhor para proteger a casa? Então!...” O padre explicou que o vira-latas era bom na defesa dos males espirituais, como certas plantas que atuam como verdadeiros para raios absorvendo as vibrações negativas. E o seu cachorro era um desses. “Não é por acaso que lhe dei o nome de Catimbó!” Tonico suspendeu a navalha e debochou mais ainda. “Catimbó! Seu padre agora é dado às coisas do espiritismo, é!?” Padre Emílio tirou o chapéu e disse se olhando ao espelho. “Nos tempos que correm, meus irmãos, há que se cercar pelos sete lados!”

Padre Emílio na reserva

Padre Emílio chegou na concentração e deu de cara com um jovem alto e forte vestindo a camisa três. “Quem é o grandalhão?” perguntou ao treinador que veio cheio de dedos para explicar que seria um teste já que o jogo seria um amistoso valendo só a grade de cerveja na venda do Gonzaga. “Então pode botar o armário pra jogar também o campeonato, que eu estou fora!” Padre Emílio explicou a razão de não querer um regra três. Ele diz que quem fica no banco fica rezando pra que o titular se machuque. “Não precisa de reserva. Tem o Zequinha que joga no meio, mas também na defesa e temos o Dida que não se incomoda de ser reserva e que é curinga. Quantas vêzes me substituiu! O Dida joga até de goleiro se for preciso.” O treinador aguentou a ciumeira do padre e perguntou, já sem cerimônia. “Ué, seu Padre! A sua reza não deveria ser mais forte? O Bem sempre não vence o Mal?” Padre Emílio não esperava levar com uma filosofia desta na testa e foi-se dirigindo para o banco de reservas dizendo. “O Bem sempre vence, mas demora. Para se fazer o bem, às vezes leva-se uma vida inteira, o mal, é dois palitos. O tempo de partir uma perna!” Padre Emílio nunca em sua vida de desportista havia ficado no banco. Foi uma experiência nova e que, bem vista, até lhe fez muito bem. Deu-lhe para pensar a vida. Afinal são cinquenta anos no lombo. Meio século de vida. Notou que o outro era bom jogador e poderia vir a ser um substituto à altura. Bem poderia pendurar as chuteiras. Já não era sem tempo. Com quinze minutos de jogo já imaginava a festa de despedida, na qual jogaria o primeiro tempo e passaria a número três para aquele homem grande e saltador que ele nem sabia o nome, mas a quem já dirigia os melhores e mais cristianos pensamentos. Foi quando o novato subiu para rechaçar uma bola alta e caiu com o pé num buraco torcendo o tornozelo. Padre Emílio, que já tinha tirado o uniforme, teve que se vestir rapidamente. Ao entrar em campo cruzou um olhar calado com o treinador e nele dizia. “Eu não fiz nada!”

sexta-feira, 10 de maio de 2013