segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Nunca foi “fumaça de gol*”...

Em meio à geração com mais acesso ao "vídeo game" a gente viu desaparecerem, aos poucos, os atletas que atuavam nos campinhos, os próprios campinhos, que passaram a virar terrenos baldios, onde se jogavam todo tipo de lixo e muitos, também, foram invadidos para a construção de moradias, de forma a diminuírem bastante as competições entre equipes amadoras pelos motivos já mencionados e por causa da violência urbana que foi aumentando, pela criação dos espaços fechados, os quais cobram mensalidades e, talvez, pela desilusão com a possibilidade de se tornar profissional, mas as histórias permanecem e quero relembrar aqui o "Fumaça", pior jogador de futebol que eu já vi atuar nas peladas e torneios valendo premiações!

O atleta era o último a ser escolhido e às vezes nem escolhido era, mas permitiam que ele fosse o um a mais num dos times a fim de não ficar de fora, pois era muito querido!
Suas falhas nas tentativas de jogadas eram absurdas, ele não tinha a menor intimidade com a bola e rendia muitas gargalhadas na torcida que se avolumava quando o viam em campo e ele, por sua vez, parecia não encarar como zombaria e ria de si mesmo juntamente com a galera!
Nos momentos em que geral, jogadores e torcedores, se reunia para a feijoada ou churrascão no final dos torneios, ele entrava nas rodas de resenha, contava orgulhoso suas jogadas que só ele tinha visto ou sua mente tinha imaginado e até que era bom pagodeiro, o Fumaça!
Por algum desses fatores que a gente nunca sabe qual foi o culminante, o Fumaça, do qual nunca cheguei a conhecer algum parente, foi visto em situação de rua e, mais recentemente, alguém teve a infeliz ideia de, durante a noite, tocar fogo em montes de papelão que ficavam entulhados num galpão em ruínas e, infelizmente, o nosso personagem teve sua história encerrada em meio às chamas.
Alguém teria dito, em meio à uma resenha sem graça, que o Fumaça havia decidido aspirar fumaça de Crack, já que não se tornara o craque que sonhara ser e acabou se finando em meio à fumaça do criminoso incêndio...
*Como se referia o saudoso narrador Waldir Amaral, quando surgia oportunidade de gol para algum time em meio à partida.

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Crônica poema de Edu Planchêz

 

arrancava a cabeça do dedão

e sangrando continuava a infinita louca pelada,

o racha alucinante…

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Quiséra ser eu um Nelson Rodrigues

para conseguir estancar no tempo,

em algum lugar do tempo,

algo como uma profecia,

um chamado, um grito azul,

um grito avermelhado,

um grito sem cor

e com todas as cores de um gol,

de um quase gol, de um gol que tive

vontade de fazer e nunca fiz.

Acho ou compreendo na minha inocencia,

que todo garoto ou garota...

adoraria ser um craque de futebol,

jogando na lama, num campinho rala coco

livre de qualquer espécie de grama,

sozinho ou com um monte de “neguinho”

bicando suas pernas,

grudando em seus ombros,

para comemorar o gol

ou para evitar que as redes imaginárias fossem vazadas,

pois os campinhos de futebol que conheci

pelas ruas e terrenos baldios

do intenso suburbio

tinham traves que eram feitas de qualquer coisa:

um par de chinelos, pedras, latas,

paus amarrados com arames, barbante,

cordinhas de sisal e até mesmo de cipó, ou...

Na tarde aloprada do domingo suburbano,

o sol castiga o campo de terra batida

pisada pelos bichos das relvas...

As traves de bambu verde rachado,

amarradas com sei lá com o que,

e a bola de capotão, de plástico, de meia já gasta,

mostrava as cicatrizes de tantas acirradas disputas.

Eu o Mané da Pelota,

como eu era chamado,

ajeitava a chuteira velha rasgada

enquanto observava os parças do time-catado

bebericando umas brejas entre papos,

gozações e piadas...

Cada ruga em meu rosto contava

uma resenha vivida, cada cicatriz uma partida.

Ali, na várzea eu e os outros com camisas e sem camisas

não éramos apenas mais uns jogadores;

eramos heróis sem nomes,

guardiões dos sonhos de muitos que como nós,

acreditavam no feitiço do futebol,

na malicia do gingar,

de bater na gorduchinha com o peito pé…

No Terrão correu Bruno Henrique e Michael,

Perácio, Quarentinha,

Zizinho, Ademir da Guia, Rodrigues Neto, Nelinho, Zico,

Samarone e Rivelino,

correu e corre eu e você...

“Olho no lance! Pelo Amor dos meus Fihinhos!

Pelas barbas do profeta!"

( Berrava Silvio Luiz )

Radinho de pilha ligado (“Mário Viana!” “Gol Legal!”),

a rua de paralelepípedos era o estádio,

a gente encarava a pelada descalço,

chutava a bola, chutava o vento, chutava o chão,

arrancava a cabeça do dedão

e sangrando continuava a infinita louca pelada,

o racha alucinante…

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ANTONIO EDUARDO PLANCHÊZ DE CARVALHO