sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Crônica poema de Edu Planchêz

 

arrancava a cabeça do dedão

e sangrando continuava a infinita louca pelada,

o racha alucinante…

------------

Quiséra ser eu um Nelson Rodrigues

para conseguir estancar no tempo,

em algum lugar do tempo,

algo como uma profecia,

um chamado, um grito azul,

um grito avermelhado,

um grito sem cor

e com todas as cores de um gol,

de um quase gol, de um gol que tive

vontade de fazer e nunca fiz.

Acho ou compreendo na minha inocencia,

que todo garoto ou garota...

adoraria ser um craque de futebol,

jogando na lama, num campinho rala coco

livre de qualquer espécie de grama,

sozinho ou com um monte de “neguinho”

bicando suas pernas,

grudando em seus ombros,

para comemorar o gol

ou para evitar que as redes imaginárias fossem vazadas,

pois os campinhos de futebol que conheci

pelas ruas e terrenos baldios

do intenso suburbio

tinham traves que eram feitas de qualquer coisa:

um par de chinelos, pedras, latas,

paus amarrados com arames, barbante,

cordinhas de sisal e até mesmo de cipó, ou...

Na tarde aloprada do domingo suburbano,

o sol castiga o campo de terra batida

pisada pelos bichos das relvas...

As traves de bambu verde rachado,

amarradas com sei lá com o que,

e a bola de capotão, de plástico, de meia já gasta,

mostrava as cicatrizes de tantas acirradas disputas.

Eu o Mané da Pelota,

como eu era chamado,

ajeitava a chuteira velha rasgada

enquanto observava os parças do time-catado

bebericando umas brejas entre papos,

gozações e piadas...

Cada ruga em meu rosto contava

uma resenha vivida, cada cicatriz uma partida.

Ali, na várzea eu e os outros com camisas e sem camisas

não éramos apenas mais uns jogadores;

eramos heróis sem nomes,

guardiões dos sonhos de muitos que como nós,

acreditavam no feitiço do futebol,

na malicia do gingar,

de bater na gorduchinha com o peito pé…

No Terrão correu Bruno Henrique e Michael,

Perácio, Quarentinha,

Zizinho, Ademir da Guia, Rodrigues Neto, Nelinho, Zico,

Samarone e Rivelino,

correu e corre eu e você...

“Olho no lance! Pelo Amor dos meus Fihinhos!

Pelas barbas do profeta!"

( Berrava Silvio Luiz )

Radinho de pilha ligado (“Mário Viana!” “Gol Legal!”),

a rua de paralelepípedos era o estádio,

a gente encarava a pelada descalço,

chutava a bola, chutava o vento, chutava o chão,

arrancava a cabeça do dedão

e sangrando continuava a infinita louca pelada,

o racha alucinante…

---------------------

ANTONIO EDUARDO PLANCHÊZ DE CARVALHO


Sem comentários:

Enviar um comentário